Três leituras distópicas

O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação (...) O espetáculo não é um conjunto de imagens mas uma relação social mediatizada por imagens. DEBORD, GUY. Sociedade do espetáculo. 1967.

Teletela, Cinema sensorial e Tela múltipla. Comprimidos estimulantes e calmantes, gim e soma. Diversão, distração, solidão, medo , angústia e perseguição. Proibição dos livros e da história. A vida sob a repetição. A repetição do ofício, da rotina, repetição dos slogans imperativos dos governos. Aqui talvez caiba o “Não pense em crise, trabalhe!”, adotado pelo governo brasileiro em 2016. Ele se adequaria bem no conjunto destas obras distópicas em que os governos controlam o Estado e a vida social, de modo que dispensam a participação democrática.

O que há em comum nestas três obras: Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (1932), Fahrenheit 451 de Ray Bradbury (1953)e 1984 de George Orwell (1949).

Distopia.O primeiro aspecto a considerar é que todos são livros distópicos. A distopia aparece como uma negação de utopia. Se na utopia, como a de Thomas Morus, se vislumbra a resolução da contradições sociais de sua época, nas distopias, o que temos são os índices que sinalizam problemas e temores de uma época que neste tipo de ficção são levados até as últimas consequências.

Protagonistas. Os personagens principais, O Selvagem de Huxley, Montag de Ray Bradbury e Winston, o burocrata de 1984, destoam dos demais índivíduos projetados segundo o controle de um governo. De modo geral, há uma tomada de consciência que permite uma visão crítica epossibilita que conheçam a própria subjetividade e a perceba anulada pela sintonia imposta pelos governos, organizada através da massificação dos modos de pensar, agir, sentir.

Indivíduo e sociedade. A partir de então, temos os desdobramentos da incompatibilidade dos personagens e a repressão do Estado para que os “rebeldes” voltem ao eixo do controle e sejam diluídos na massa controlada. Não se pode pensar, se relacionar e viver se não em consonância com os ideias do Partido em 1984. O Selvagem, o próprio nome é auto explicativo na sociedade distópica de Huxley, para qem foi apartado do modo de vida que cultua a tecnologia, que acessa o entretenimento através do cinema sensorial. Para enfrentar situações da vida humana, como tristeza, preocupações, reflexões espinhosas, a sociedade de Huxley consome a droga soma. Assim, quando não entretidos pelo efeito das tecnologias, induzem a distração e o entorpecimento pelo soma. Todo mundo porta seus comprimidos, exceto as castas inferiores e os membros da reserva dos selvagens.

Ler. A leitura é proíbida e antiquada. O passado é velharia. O livro é proíbido, é atividade subversiva em Fahrenheit 451. Os bombeiros são chamados por vizinhos delatores para atear fogo nos livros encontrados. Assim, pune-se os que ousam se arriscar na leitura . Na sociedade de Huxley, ler está fora dos hábitos que cultuam a tecnologia. Ler é coisa de selvagens. Coisa do passado. Não entretém. Em 1984, os livros trazem a história revisada de acordo com a narrativa permitida e defendida pelo Grande Irmão.

Classes, castas. Admirável mundo novo, traz uma sociedade dividida em castas reproduzidas artificialmente, através do controle da gestação em laboratório de escala industrial. As capacidades intelectuais e os fenótipos são regulados através do controle das substâncias orgânicas necessárias ao feto. As castas inferiores vivem sem a necessidades intelectuais, estão restritas ao trabalho.

Em 1984, os membros burocracia estatal se repartem em diferentes níveis. Da cúpula à ralé dos que a integram. Mesmo assim, os que vivem na precariedade são os trabalhadores, proletários que residem nos sombrios bairros.

Fahrenheit 451, os contornos do tipo de organização social não estão às claras. Mas, há o exemplo da marginalização e isolamento dos que ousaram ler, os humanos livros que perambulam “do lado de fora” da cidade.

O que produz distopias? Elas são índices de um novo tempo? São avisos? As relações sociais mediatizadas por imagens, que se refere Debord, participam e orientam nossas relações com o mundo, coisas e pessoas. Quem produz as imagens? Por que as produzem? O que quer dizer, por exemplo, a série Black Mirror? Por que surgiu?São índices? Avisos? Sinais…